06/10/2009

CORTES ... Aldeia da poesia - (Leiria - Portugal)

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Cortes... na barca da poesia
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- Uma noite destas sonhava... que percorria montado em minha bicicleta, uma estrada, que se esforçava por acompanhar as curvas de um rio... - - - Que rio seria este, que corria para norte... ?
A espessa névoa que o envolvia, escondia o arvoredo que ladeava as suas margens, dissipando-se nas encostas, deixando ver, pontualmente, alguns trechos de vinhedos e pomares levemente iluminados por um sol preguiçoso.
A dado momento, a estrada quase toca o rio... a próximidade, permite-me agora, escutar o sussurro das águas - cantar belo e doce, ritmado com mais intensidade nas descidas mais acentuadas do seu percurso. O Sol começara a espreguiçar-se... e uma luz dourada, deixa a descoberto toda a beleza daquela (desconhecida) paisagem rural.
A "companheira", encostada a uma velha oliveira, esperava por mim..., pois que esperasse - o sonho era meu, e não saíria dele, sem que soubesse, que bucólico rio era aquele...? Que poetas o cantaram?
Ouço o repicar de sinos, e desviando o olhar, descubro o campanário de uma igreja no alto de uma encosta. Vem a melodia dos seus sinos, juntar-se ao gargalhar das águas do rio. Baixo o olhar - surpreendido- (e porque no sonhar tudo é possivel...), vejo uma barca descendo o rio, carregada de gente: eram os poetas do rio, (poetas de outros tempos...), recitando ao rio...
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A poesia, o repicar dos sinos, o gargalhar das águas... inundavam os meus sentidos. Não!!! Não posso acordar agora! Quem eram os poetas?
Mas... estranhamente, a barca se ía dissolvendo em névoas, enquanto os "passageiros da poesia", desciam para as margens do rio, desaparecendo por entre o arvoredo...
Tentava reconhecer-lhes os rostos, quando o último, a descer da barca, me olhou, acenando-me com o seu caderninho ensopado de poesia, me disse: « Olá amigo, sou o Afonso Lopes Vieira ».
Escorria a poesia para o rio em pingos de tinta azul... apertava-se-me a garganta, cegava-se-me o olhar... e o nobre poeta mais não vi..., mas que importa? Ele havia-me dado com seu gentil cumprimento a resposta que eu tanto queria.
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Sim!!! Eu estava na aldeia das Cortes, bem perto do lugar das Fontes, onde nasce o rio, e que agora, eu sabia, ser o Lis.
Apresso-me para encontrar a minha "companheira", que sonolenta, lá permanecia à sombra da velha oliveira - «vamos amiga, leva-me à aldeia, quero ouvir o "chôro da nora", tirando água com seus alcatruzes...».
Ali chegado, fiquei à escuta do ritmo compassado do seu chôro, mergulhado em pensamentos: « talvez na barca da poesia, viajassem também, o José Marques da Cruz, o Rodrigues Cordeiro e tantos outros... que enobreceram com a sua poesia, a beleza do rio, das Cortes, das Fontes...».
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Cortam-me o pensamento, duas velhinhas, que fitando-me nos olhos, me apontam a rua que sobe até à igreja - « Olhe que não se vá, sem ver a igreja de Nossa Senhora da Gaiola...! ». E antes que, alguma coisa eu pronunciasse, já elas se aproximavam, falando ao mesmo tempo, da lenda de duas pastoras, que tendo encontrado num tronco de árvore, uma imagem de Nossa Senhora, e felizes por esse achado, trataram de Lhe construir uma pequena cabana feita de ramos de várias árvores, onde a começaram a venerar. A cabana mais parecia uma gaiola, nome pelo qual, a Virgem passou a ser venerada...
- « É a Padroeira desta terra, meu rapaz...! No primeiro Domingo do mês de Maio, fazemos-Lhe a festa. Apareça por cá...! ».
Em silêncio tudo fui ouvindo, (apesar de já conhecer a dita lenda), e ía para lhes dizer isso mesmo, e ... tal como a "barca da poesia", as velhinhas desapareceram numa névoa repentina.
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« Não! Ainda não está na hora de acordar! Quero ir às Fontes, o berço do rio, e depois subir ao miradouro serrano da Senhora do Monte...». E foi para lá, que a "companheira" me levou, depois de um breve passeio à nascente, porque o (tempo de sonhar...) voava, e eu já lhe tinha perdido a noção...
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Chego exausto, pelo cansaço da subida. Encosto a "companheira" ao alpendre da quinhentista ermida da Senhora do Monte, e apresso-me a procurar com o olhar, na longínqua linha do horizonte um pedaço de mar... lá estava ele, um risco de prata separando a terra, do céu...
Ali, deitado sobre o muro que delimita o miradouro, vou ficando... até, que aquele risco de mar prateado, (longínquo), em ouro ficou, pelo sol que já se lhe encostara. Adormeço...
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Abruptamente, e sem ter a noção do tempo decorrido, desde que ali chegara, acordo... pelo chocalhar de um frenético rebanho, que subia a encosta, guiado por duas velhinhas pastoras, que me avistando, logo foram dizendo ao mesmo tempo: « Acorde meu rapaz! Olhe que o sol à muito que nasceu... não vai para casa? ».
Tentei reconhecer-lhes os rostos, mas... súbitamente desapareceram.... na claridade que já inundava o meu quarto. Desligo o "chocalhar" do despertador, e com olhos inchados, semi-abertos, procuro a "companheira", atrás da porta do quarto. Lá estava ela... sonolenta, cansada de tanto rodar, e se falasse, dir-me-ía: « Vamos rapaz, levanta-te... não queres ir até às Cortes...? ».
E lá fomos...
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Texto e fotografia: Walter
Nota: Cortes (pronuncia-se Córtes)