28/03/2010

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Os pássaros nascem na ponta das árvores
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As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
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Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
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Os pássaros começam onde as árvores acabam
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Os pássaros fazem cantar as árvores
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Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
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deixam o reino vegetal para passarem a pertencer ao reino animal
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Como pássaros poisam as folhas na terra
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Quando o Outono desce veladamente sobre os campos
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Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
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mas deixo essa forma de dizer ao romancista
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é complicada e não se dá bem com a poesia
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não foi ainda isolada da filosofia
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Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
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Quem é que lá os pendura nos ramos?
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De quem é a mão a inúmera mão?
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Eu passo e muda-se-me o coração.
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Ruy Belo
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in Inimigo Rumor
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De um passarito comum para três pássaros raros:
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fotos: Walter`
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23/03/2010

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[naturalmente aquém]
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Pudesse eu ser a boa-fé que te serve de alimento
no castelo que traçaste para além de mim
pudesse eu ser o talento e o desalento
na união intemporal que designa o tempo
que só em ti motivou todo ou qualquer tormento
pudesse eu ser a quimera em que não fora o fim.
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Pudesse eu ser a tábua rasa do conhecimento
assente na arte na criação de qualquer sentido
mesmo que em tudo utópica em completo alarido
pudesse eu ser inato isso pudesse eu ser proibido
aplacar-te o espírito num amanhecer cinzento
e ser resguardo no intemporal que designa o tempo.
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do meu querido amigo: . Paulo .
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Fotos: Walter * * *
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12/03/2010

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Vive, dizes, no presente;
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede.
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O que é o presente?
É uma coisa relativa ao passado e ao futuro.
É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem.
Eu quero só a realidade, as coisas sem presente.
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Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas coisas como presentes; quero pensar nelas como coisas.
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Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
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Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
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Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
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Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
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fotos: Walter
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05/03/2010

poema inclinado

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quero
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um poema ondulado
vertiginosamente inclinado
bordado de mar sol e lua
que seja chão
tapete de afagos
cama onde me deite
um poema que me sustente
em verticalidade permanente
no horizonte para onde vou
um poema ondulado de beijos
em noite quente que me assombre
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quero
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as lágrimas caídas
travadas por dedos alheios
em dia de sol que se acinzente
um canteiro de rosas
desabrochando no peito
um coração rubro de alegria
dançando as horas do dia
e a alma prosseguindo no tempo
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quero
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na vertigem da subida
num risco não ausente
a vida toda num segundo
na inclinação do poema
um escudo que me proteja
duas mãos em forma de concha
no beiral do poema
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Walter
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fotos: Walter
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