26/06/2010

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Navio que Partes para Longe
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Navio que partes para longe,
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Por que é que, ao contrário dos outros,
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Não fico, depois de desapareceres, com saudades de ti?
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Porque quando te não vejo, deixaste de existir.
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E se se tem saudades do que não existe,
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Sinto-a em relação a cousa nenhuma;
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Não é do navio, é de nós, que sentimos saudade.
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Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
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Vou então... matar saudades de mim!
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Um terno e saudoso abraço a todos os seguidores, amigos e visitantes.
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Sim... voltarei!
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:)
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Fts: Walter
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18/06/2010

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Pastorale
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Rasgo as árvores para perceber
como foi
antes das vogais e
regresso a casa.
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Tenho um rebanho de palavras à minha espera
Conheço-as bem
como o cajado onde me encosto enquanto
penso
cubro os ombros de sol e
fico-me de longe a olhar o rebanho.
As palavras correm livres pelo pasto
É com as mãos que eu as chamo
e elas vêm submissas
É com as mãos que as afasto
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«Vão-se embora palavras»
Magoadas, adormecem depois.
Se uma está acordada
eu ponho-a no meu colo
e fico ali
sentada a embalá-la.
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Alguém lavra, ao longe, um campo de palavras
e o arado estremece a cada consoante
E passo assim
a tarde toda a dobar-lhes os fios
cantando
enquanto dobo
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Aos dia ímpares
Vem uma feiticeira e rouba-me o rebanho
para fazer rezas e ladainhas
- eu finjo que não vejo.
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Por vezes
as palavras aproximam-se demais umas das
outras
e o vento chega e
põe reticências nas frases.
E é então que o rebanho estremece.
Eu levanto o cajado
e fico a desenhar lírios e urze brava
e o pasto
é agora o grande sonho que alimenta as
palavras.
Uma palavra emigrante
Vem súbita e descalça
desfazer-se em sentidos para me convencer
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E eu digo
Vem-me cá, oh palavra!
de que estrada chegaste?
quantas bocas te disseram?
quem te chorou, palavra?
quem te deixou partir, sózinha e frágil?
Ela prende-se a mim
e suga-me no peito as desgastadas fomes
inclinada
cai depois num fio de leite
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Faz-se um parágrafo na tarde enfraquecida
e eu chamo o rebanho
que caminha agora em rima emparelhada
Sigo as passadas bíblicas
com o cordeiro
a baloiçar-se às costas
e é um livro que entra pelo quintal.
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O título é a palavra adormecida
As aves que se recolhem ao silêncio da noite
são a pontuação
e os acentos agudo e grave
são os meus dedos com que, agora, abenço-o
o rebanho.
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Um deus vem
e assina com tinta invísivel
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Eu ponho-me ao postigo
em silêncio
a ouvir o poema.
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" Do Tempo e do Silêncio", Teresa Alvarez
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Grato a quem nas minhas mãos deixou este rebanho de palavras.
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Fts: Walter
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11/06/2010

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fts: Walter
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05/06/2010

Mãe

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Mãe!
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Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei!
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Traze tinta encarnada para escrever essas coisas! Tinta cor de sangue, sangue!
verdadeiro, encarnado!
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Mãe! Passa a tua mão pela minha casa!
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Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou
viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
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Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
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Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado.
Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas
com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
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Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado! Eu quero saber
qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio
que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
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Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
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Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
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Almada Negreiros
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in Rosa do Mundo
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fts: Walter
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A minha Mãe é assim...
creio que as vossas também assim o sejam,
exactamente como esta concha.
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. À minha e às vossas Mães .
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