30/03/2011

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Amigo, perdi o caminho..... Eco: O caminho prossegue.
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Há outro caminho?.... Eco: O caminho é só um.
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Tenho que reconstituir o trilho..... Eco: Está perdido e desapareceu.
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Para trás, tenho que caminhar para trás!.... Eco: Nenhum vai lá ter,
nenhum.
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Então farei daqui o meu lugar,.... Eco: (A estrada continua),
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Permanecerei imóvel e fixarei o meu rosto,.... Eco: (A estrada avança),
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Ficarei aqui, ficarei para sempre..... Eco: Nenhum se fica por aqui,
nenhum.
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Não consigo encontrar o caminho..... Eco: O caminho prossegue.
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Oh, os lugares por que passei!.... Eco: Essa viagem acabou.
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E o que virá por fim?.... Eco: A estrada prossegue.
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EDWIN MUIR
(1887-1959)
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TRAD: Cecília Rego Pinheiro
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fts: walter
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16/03/2011

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AOS QUE VIRÃO A NASCER
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I
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É verdade, vivo em tempo de trevas!
É insensata toda a palavra ingénua. Uma testa lisa
Revela insensibilidade. Os que riem
Riem porque ainda não receberam
A terrível notícia.
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Que tempos são estes, em que
Uma conversa sobre árvores é quase um crime
Porque traz em si um silêncio sobre tanta monstruosidade?
Aquele ali, tranquilo a atravessar a rua,
Não estará já disponível para os amigos
Em apuros?
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É verdade: ainda ganho o meu sustento.
Mas acreditem: É puro acaso. Nada
Do que eu faço me dá o direito de comer bem.
Por acaso fui poupado (Quando a sorte me faltar, estou perdido.)
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Dizem-me: Come e bebe! Agradece por teres o que tens!
Mas como posso eu comer e beber quando
Roubo ao faminto o que como e
O meu copo de água falta a quem morre de sede?
E apesar disso eu como e bebo.
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Também eu gostava de ter sabedoria.
Nos velhos livros está escrito o que é ser sábio:
Retirar-se das querelas do mundo e passar
Este breve tempo sem medo.
E também viver sem violência
Pagar o mal com o bem
Não realizar os desejos, mas esquecê-los.
Ser sábio é isto.
Eu nada disso sei fazer!
É verdade, vivo em tempo de trevas!
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II
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Cheguei às cidades nos tempos da desordem
Quando aí grassava a fome
Vim viver com os homens nos tempos da revolta
E com eles me revoltei.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.
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Comi o meu pão entre as batalhas
Deitei-me a dormir entre os assassinos
Dei-me ao amor sem cuidados
E olhei a natureza sem paciência.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.
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No meu tempo as ruas iam dar ao pântano.
A língua traiu-me ao carniceiro.
Pouco podia fazer. Mas os senhores do mundo
Sem mim estavam mais seguros, esperava eu.
E assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.
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III
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Vós, que surgireis do dilúvio
Em que nós nos afundámos
Quando falardes das nossas fraquezas
Lembrai-vos
Também do tempo de trevas
A que escapastes.
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Pois nós, mudando mais vezes de país que de sapatos, atravessámos
As guerras de classes, desesperados
Ao ver só injustiça e não revolta.
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E afinal sabemos:
Também o ódio contra a baixeza
Desfigura as feições.
Torna a voz rouca. Ah, nós
Que queríamos desbravar o terreno para a amabilidade
Não soubemos afinal ser amáveis.
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Mas vós, quando chegar a hora
De o homem ajudar o homem
Lembrai-vos de nós
Com indulgência.
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Bertolt Brecht
(1898-1956)
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fts: walter
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