O MUNDO, O DEMÓNIO E A CARNE
Espera, ainda não é o tempo, não tenhas pressa de nada,
permanece no útero da estrela, até que a humanidade te cresça
nas mãos e uma consciência de um ser mortal.
O mundo ficou vazio de homens, tudo o que resta não serve de nada,
nem aos dois reis que moribundos vagueiam, agora de mãos dadas,
por entre escombros de ferro e de carne.
De coroas perdidas e despedaçadas, ficaram de igual para igual.
Choram agora a ausência de pássaros no céu e os peixes
descamados sobre os areais que o mar em ácidos vómitos rejeitou.
Ainda não é o tempo, amadurece em substância e não rompas
a placenta estelar que te envolve e protege dos demónios que ainda
não sabemos como expulsar. É preciso que se afundem nas brechas da terra
ferida e que percorram todos os rios de fogo e de lava e arrefeçam
a ganância vampírica das asas e das línguas, na limpidez das águas
frias e cristalinas de um rio mais interior.
Quando for o tempo, saberás, dos dois reis e dos muitos demónios,
já nem te lembrarás, o mundo surgirá para ti como novo.
Na tua memória, apenas, a lembrança de uma música uterina.
Fernando Pedrosa
As imagens apresentadas foram captadas durante uma atuação da Banda Leiriense, "The Allstar Project"
Fotografia de Fernando Pedrosa