06/09/2015

O G R I T O

 
 
 
 
 
 









 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O GRITO
 
 
 
 
Levanta-te do teu sono interrompido...
Não temas os gritos violentos e ameaçadores,
que parecem entrar nos teus ouvidos,
como ameaça à carne, à mente e aos sentidos.
 
São as aves noturnas lá fora, perdidas nas horas,
em desvairada confusão temporal.
 
Serão mesmo elas, lá fora? Ou serás tu mesmo,
ave noturna perdida do bando,
confundindo as duas faces do mundo: o claro e o escuro.
 
Sem medo, dirige-te à janela do teu quarto.
Abre-a, e abre também os teus braços:
respira apenas, o ritmo natural que cada coisa deve ter,
respira o silêncio purificador dos velhos mosteiros,
respira o universo.
 
E, se as ameaçadoras aves noturnas não vires,
ainda assim, bate furiosamente com as palmas das mãos
no parapeito da janela, agiganta o olhar e as goelas,
e grita grita e grita ainda mais alto do que elas.
 
Agora, já nada tens a temer, os seus gritos violentos
e ameaçadores, caíram em poços fundos,
e não mais os ouvirás, nem dentro nem à superfície
dos teus ouvidos.
 
Volta para o teu sono interrompido,
para o teu quarto agora diminuído,
pelo tamanho do teu grito.
 
Lá fora, o silêncio purificador dos velhos mosteiros,
entrou pela janela aberta do quarto,
atravessou a casa, atravessou o universo...
 
 
Fernando Pedrosa
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 









                                                                                 

Fotografia de Fernando Pedrosa