04/02/2012

Ode ao Sangue


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ODE AO SANGUE

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Nesta noite em que o coração incha a boca duramente,
Quisera ver o meu sangue a correr pelo chão:
A golpear o seu corpo de flor
- de solidão perdida e intolerável -
para manifestar-se com a angústia
e poder chorar a perdição dos dias,
a cor áspera das minhas veias cediças.
Se pudesse vê-la sem ânsia
a queimar o ar malfadado, impenetrável,
que move as tormentas secas da minha garganta
e aperta a minha pele incomparável;
não as marés, as ervas antigas,
toda a minha vida de eco incompreendido!
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Quisera conhecê-la esplêndida para viver fora de mim,
como um rio partido pelo vento,
como a vontade que só a alma reconhece.
Não aguardei por nada. Para que morada o ardor alheio
sairá alguma vez
a observar a memória desabitada, sem paraíso,
a luz interminável.
Quisera estar nu, só e feliz,
para arrebatar a sombra da morte
como uma enorme e aziaga nuvem destruída.
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Se um dia fôssemos estrangeiros,
capazes de ouvir o murmúrio da erva como um sedento hábito
peregrino,
limpos do humor corrupto,
cortaria as veias por amor
para que se escutasse o seu fluir;
para vestir meu corpo solitário
com o fogo lânguido.
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Mas não há-de chegar nunca esse tempo mágico,
como não chega a felicidade
onde não vive o esquecimento, a voz morta,
já apagada.
Nem mar, céu, flor, mulher: nada.
Ninguém a viu levar a rosa vulnerável,
o deserto extraviado entre bocas inúteis.
Que duro silêncio a envolve,
já não sei onde chega a vida
ou quer a abandoná-la
desprendida.
Onde se estreita a pele impossível,
o seu lento signo enigmático: chama de essência sem despedida.
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Chora através da carne,
cravada num fosso sem céu,
na noite desprezada
com a sua língua eterna.
Uma tristeza ampla regressa à vida sem cansaço;
encerrada no repouso.
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A morte imensa vela o sonho sem alvorada!
Ninguém sabe nada.
Eis o que existe. A ansiedade volta para dentro,
surda, detestável, apartada.
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Majestosa em seu mundo obscuro, regressa à sua raiz
indefinida, penetrante, solitária.
Talvez um rio, uma boca inesquecível
possam recordá-la.
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Do grande poeta argentino,
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Ricardo Molinari
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(1898-1996)
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TRAD: JORGE HENRIQUE BASTOS
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Fts: Walter
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