05/09/2010

Pinhal do rei

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Pinhal do rei
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Catedral verde e sussurante, aonde
a luz se ameiga e se esconde
e aonde ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a longa voz do
mar,
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ditoso o Lavrador que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim:
ditoso o Poeta que lançou ao vento
esta canção sem fim....
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Ai, flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
rei dom Denis, bom poeta e mau marido
lá vem as velidas bailar e cantar.
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Encantado jardim da minha infância
aonde a minh' alma aprendeu
a música do Longe e o ritmo da Distância
que a tua voz marítima lhe deu;
místico orgão cujo o além se esfuma
no além do Oceano, e aonde a maresia
ameiga e dissolve em bruma
e em penumbras de nave, a luz do dia.
Por estes fundos claustros gemem
os ais do Velho do Restelo
Mas tu debruças-te no mar e, ao vê-lo,
Teus velhos troncos de saudosos fremem...
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Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
São as Caravelas, teu corpo cortado,
É do verde pino no mar a boiar.
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Pinhal de heróicas árvores tão belas,
foi do teu corpo e da tua alma também
que nasceram as nossa caravelas
ansiosas de todo o Além;
foste tu que lhes deste a tua carne em flor
e sobre os mares andaste navegando,
rodeando a Terra e olhando os novos
astros,
oh gótico Pinhal navegador
em naus erguida levando
tua alma em flor na ponta alta dos
mastros!...
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Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
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que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do pinhal florido
que grande saudade, que longo gemido
ondeia nos ramos, suspira no ar.
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Na sussurrante e verde catedral
ouço rezar a alma de Portugal;
ela aí vem, dorida, e nos seus olhos,
sonâmbulos de surda ansiedade
no roxo da tardinha,
dorida do naufrágio e dos escolhos,
viúva dos seus bens
e pálida de amor,
arribada de todo os aléns
de este mundo de dor:
ela aí vem, sózinha,
e reza a ladainha
na sussurrante catedral aonde
toda se espelha e se esconde,
e aonde ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a longa voz do mar
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Do notabilíssimo poeta Leiriense
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Afonso Lopes Vieira
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Afonso Lopes Vieira - 1878-1946
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Fts: Walter
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